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Quando já não é saudade.

 
    Eu posso dizer que não é mais saudade, não, nem de longe. O que eu sinto é mais que isso, é mais dolorido, é mais vazio. O que sinto é algo que está longe, me traga, eu digo, agarre pelo braço e me devolva. Pode dizer que você não consegue, isso já percebi, mas você é a única coisa, desculpe, você é a única pessoa aqui, tenho que te contar, tenho que te contar tudo, não posso guardar mais para mim, sufoca, sei que você acha que sou sempre assim, esse é um dos meus vários defeitos, mas de verdade, mais do que nunca... Não dá mais.
      Eu estou com saudades da minha mãe, e ela está tão longe agora, tão longe, e acho que ela deve estar dormindo, mas antes ela deve ter tomado o chá que dividíamos na área pela noite, eu tenho que te confessar, de vez em quando, antes de ir para cama, sinto o cheiro de hortelã voar pelos ares, mas quando olho em volta, só resta eu e você, eu aqui e você... Não sabe fazer chá. Então, hoje eu percebi como as coisas podem mudar, quer dizer, é claro que ela pode ter lembrado de mim, isso é coisa de mãe, certo? Mas, não é a mesma coisa, se você não está lá, não tem porque fazer chá, não tem para quem oferecer, eu me sinto tão sozinha e com tantas saudades.
      Queria ligar pra ela, eu gosto de ouvir a forma como ela diz "alô", mas ela já dormiu, sei disso, porque já é meia-noite e já passou há tempos o capítulo daquela novela que ela ama, eu queria ligar para conversar sobre qualquer coisa, sobre a novela que passava na TV, sobre uma música engraçada, sobre um recorte de revista que eu guardei, sobre um livro que eu li, mas sempre que eu colocava o telefone no ouvido, o outro lado da linha era um zunindo constante e demorava muito para eu perceber que não havia ninguém, ninguém que quisesse ouvir ou conversar sobre essas coisas tão banais.
     Estou com saudades do meu pai, queria acordar com as piadinhas dele, porque minha amiga me perdoe, você não me anima quando acordo, você não prepara meu café, você não me deseja nem bom dia e assim a gente vai seguindo. Estou com saudades das nossas piadas internas e fico pensando na piada que ele fez hoje... Sozinho. Nas piadas internas que vai criar... Sem mim. Doí, mas não doí como um espinho no dedo, eu nem de daria o trabalho de chorar por isso, doí como se minha alma estivesse sendo rasgada, doí como se meus ossos estivessem sendo massacrados, doí a ponto de não ser explicável.
      De repente, hoje, percebi que é muito fácil ser esquecida, ser substituída, entrei no Facebook e tem foto de uma festa que minha família fez, daquelas que antes eu que organizava e eu queria estar lá, o que eu mais queria era estar lá, mas não estou e doí, então me diga, como isso pode ser saudade? Que dor mais cruel, que dor mais sem sentido, que dor mais absurda. Eu, tão inocente, tinha ideia de saudade de alguém que ficava fora alguns dias e quando você abraçava, dizia: Que saudades! meio sem jeito, porque não fazia diferença, a pessoa já estava ali e nem tinha dado tempo sentir saudades mesmo, era mais uma expressão carinhosa, uma expressão que demostrava que você se importava. Mas hoje, a saudade, pelo menos a qual eu fui apresentada, corta, rasga e parte caminhos no meio, de repente o que é não é mais, o sim é não. preto é branco, e festas assim, festas que antes eu organizava, continua sendo festas, só que sem mim.

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