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Somos feitos de memórias.

   

        Acontece que sou feita de memórias e tudo que me fez eu vou lembrar, me desculpe, mas não sou eu quem deveria me desculpar, você nunca ver o meu lado e parece não se importar, você diz que me ama e me machuca cada vez mais, você finge que se importa quando na verdade não faz diferença para você. Você me mostra suas músicas favoritas e finjo gostar, e escuto de novo e de novo até ver o que você ver nelas, isso é gostar. Você faria uma coisas dessas por mim? Sua resposta é um sim quase instantâneo e eu sei que claro que diria isso, mas não faria, não, você não faria.
       Sua irmã entrou no balé, ela está orgulhosa, todos deram parabéns e eu joguei uma flor no palco que ela se apresentou e você não estava lá, você não aplaudiu, você não viu, ela estava graciosa, como pode machuca-la? Ela é apenas uma criança. Seu pai já não está aqui, mas te chamaria e daria um sermão, sempre foi bom homem e amou sua mãe, sim, ele a amou e ele contou inúmeras vezes como se conheceram, porque seu pai também era feito de memórias. Ele avistou sua mãe em uma praça da cidade com mais 14 amigas e só queria ela.
      O seu avô o odiava, típico dele, homem mais rabugento, mas seu pai, bom homem, pulava a janela e cuidava de sua mãe, ficava lá com ela, dormiam, sem malícia alguma, ele só ficava lá até que um deles decidissem que era hora de dar adeus, não para sempre, mas por hoje, ele jogava flores na sua janela, não pedras, não queria machucá-la nem metê-la em problemas, escrevia poesias e mandava anonimamente pelo correio, falava as coisas que ela queria ouvir, mas não era por falar que o tornava especial, era por sentir, por realmente, antes de tudo, ser verdadeiro consigo mesmo e com a mulher que escolheu amar.
       Seu avô olhou sua mãe, boba, mas já não havia o que fazer, casou os dois, então veio você, depois seu irmão, outro irmão e sua irmã, você se importa? Você não demonstra. Seu pai, não se sabe que miséria aconteceu na vida, vivia infeliz, sempre muito infeliz, não tinha mais emprego, não tinha mais amor, não tinha mais vontades, não tinha nem mesmo as memórias, abriu a mela e despejou todas no chão, mandou alguém evar par algum lugar e virou um homem vazio, tirou a própria vida três meses depois de escrever uma carta, não linda, só triste... como deveria ser, uma carta de quem disse adeus.
       Sua mãe é forte, você não vê? Olhe que mulher bonita e inteligente, cuida de vocês e se preocupa, por favor querido, não jogue sua vida fora, não beba assim, me dá o copo, vou esvaziá-lo naquela planta para você, você só precisa de um bom banho, uma noite de sono e ver que as pessoas ainda estão aqui. Porque você vê? Ninguém tá te mandando para a Guerra que acontece lá fora ou para a Universidade, são suas escolhas, mas fazer isso, ficar aí acabando com sua vida dia após dia, a cada gole, me parte a alma e cria memórias indesejáveis e meu bem, como eu disse, sou feita de memórias, seu pai era feito de memórias, sua mãe e seus irmãos.
        Você não precisa conhecer trinta países antes dos quarenta, não precisa ter um curso superior ou uma família ao menos que esteja preparado, não precisa deixar de assistir os desenhos que passam na sua TV, não precisa fazer nada de extraordinário, agora mesmo, só precisa largar a bebida e felicitar sua irmã pela apresentação que você não foi, abraçar sua mãe por tudo que ela fez e tentar ser uma pessoa um pouco melhor, esse veneno te mata, não me parta a alma, porque somos feitos de memórias e você não é responsáveis por acontecimentos improváveis do destino, mas é responsável pelas memórias que deixam com as pessoas que amaram você.

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