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Elas partiram

   


  E chegou a sexta-feira e elas saíram sem mim, sabe? Eu não me importo, não me importo mesmo, mas… eu gostaria de ter sido chamada. - mexo na borda da calça.

-e você não foi?

Eu pareço alguém que foi chamada? - encaro sua face - eu estaria aqui me lastimando para você sobre como eu me sinto insuficiente em todos os relacionamentos que eu entro, incluindo uma amizade de merda na faculdade? Eu não consigo manter uma amizade, meu Deus, é insano!

- Insano?

Não é insano como os meninos que eu amo me trocam por meninas mais bonitas, mais inteligentes, mais atraentes? e as amizades que eu escolho escolhem me deixarem para trás na primeira oportunidade, porque também encontram pessoas mais inteligentes, mais falantes, mais divertidas e aí vou ficando… ficando e ficando. 

-você vai ficando!

Vou ficando, até tentei amizade com minha vizinha, mas ela simplesmente me odeia gratuitamente. Como ela pode me odiar tanto sem nem me conhecer? É incrível! 

-Me conte sobre essas amizades….

Você sabe, acontece como sempre acontece comigo, eu me enfio em um trio, como uma mesa que está mais para duas pernas e então a terceira é dispensável, eu sou dispensável. Se lembra quando eu disse que era inamável? Eu sou inamável, inescolhida, tudo que comece com uma exclusão. E aí, começamos nessa juntas, me lembro quando saímos para um bar uma noite qualquer e a gente mal se conhecia, mas íamos conhecer tudo juntas, e então elas foram conhecer coisas sem mim. 

- Justo?

Parece justo? Não sei, não posso culpar elas, eu estou com defeito faz um tempo, não sei bem como consertar, então eu sei que não posso exigir ninguém aqui. Por isso que não procuro relacionamentos, amor, garotos ou qualquer coisa desse tipo.

-você não acha que merece amor?

Não, não enquanto eu estiver quebrada, e eu estou quebrada para caralho e eu não sei resolver isso, então, fico aqui, olhando stories de pessoas que eu odeio ou que eu não dou a mínima e espero chegar uma iluminação divina que vá me fazer levantar da cama e fazer o que eu preciso fazer, espero que eu vá ser amada, que as pessoas me percebam, que eu pare de ser invisível, que minha vizinha pare de me odiar, pelo menos antes de me conhecer, preciso ficar bem quando não for convidada, considerada e incluída. Preciso encontrar afeto na minha companhia, sem garotos, sem garotas, sem ninguém que faça eu me questionar.

-e o que você precisa fazer agora? Tipo, agora mesmo?

Deixar essas merdas para trás como se não importasse, porque não deveria importar, deveria?! Ah, ok, ver fotos de pessoas que eram minhas melhores amigas vivendo bem sem mim quando eu achei que elas me procurariam com minha ausência é horrível é sim, mas nunca me matou, não é a primeira vez, não vai ser a última, não se minha expectativa ainda for longa na terra. Enfim, nem sei porque estou sozinha em casa numa sexta-feira falando som minha consciência de novo

De novo

De novo

Até adormecer 

Nós costumávamos ser amigos, certo?


 - e então foi quando eu decidi que não ia me apaixonar mais. - ela falou por fim, jogando o restante da rosquinha de lado.

- Você percebe o quanto isso é cruel comigo? - ele sorriu meio tímido, meio decepcionado, meio intrigado, porque ele não conseguia ser inteiro de certeza ao lado dela.

- não é nada pessoal, você parece ser legal. Você é gentil, doce, inteligente e… tá bem, você é bonitinho. - ela sorriu fazendo bico. - um pouquinho só, não se ache.

- Rainha do elogio, como não se achar? 

- Mas…

- Vamos para o “mas”

- Mas, eu não sei se conseguiria outra rejeição.

- Rejeição? - silêncio - eu venho dizendo a você que gosto de você, eu te elogio, eu te indico coisas legais, porque quero que você conheça o que eu conheço e sei lá, goste também e tudo bem se você não gostar, porque eu não imagino gostando menos de você por isso, na verdade, posso até gostar mais ainda se você for a garota rebelde do contra que não gosta das coisas que eu gosto, quer tentar assim? Vai em frente, parta minhas opniões, quebre tudo que eu empilhei até agora, não me importo, seja rebelde, manda ver, eu aguento.

Ela sorriu

- Não é assim que funciona. - olha para baixo e respira fundo - Olha, o primeiro garoto que eu gostei começou a namorar outra garota sem nem ao menos nunca olhar para mim, ok, quem pode culpa-lo? Eu nunca me declarei. O segundo garoto, você já sabe, olhos azuis, sorriso de lado, áurea de anjo, meio aqui, meio ausente, meio para mim, meio para ela, meio verdade, meio tanto faz, sumo hoje, apareço em alguns meses, me supere se for capaz. Merda, vamos para o terceiro… perfeito, me viu, me olhou, ele namorou comigo, ele disse que me amava e aí parecia que ele me odiava, os amigos dele pareciam mais interessante, a TV parecia mais interessante, minha vida parecia mais interessante, menos eu, o quarto e último dessa lista desastrosa, ele me diz “obrigada por entrar na minha vida e não desistir de falar comigo” e então ele me expulsou, não, não só isso, ele um dia foi dormir e no outro decidiu jogar minhas malas para fora e trancar a porta, ele convidou alguém novo para fazer parte da vida dele, na verdade, ele não trancou minhas coisas do lado de fora, o apartamento era meu e as expectativas também, ele foi visitar, chamei ele para morar lá e um dia ele não amanheceu mais, tinha outro apartamento mais interessante, mais bonito, mais confortável e mais disposto… mais, não sei, mais tudo que eu não consegui ser, quer dizer, que um apartamento poderia ser. Obrigada por entrar na vida dele? - ela gargalhou fraco - que bela forma de agradecimento, eu deveria ser o papai noel ou Jesus, sempre fazendo tantos favores sem um “obrigado”, joga a coroa de espinhos nela e coloca ela para carregar tudo. Nossa… desculpa, foi péssimo exemplo usar Jesus, me sinto péssima agora, isso não chega nem perto do que Jesus viveu, não se preocupe, eu vou ter uma autorreflexão religiosa mais tarde

Ele riu e balançou a cabeça 

- eu amo isso em você, você é completamente incoerente e acabou de fazer alusão da sua vida amorosa desastrosa com Jesus e papai noel na mesma frase. Você é um ser extraordinário.

- E mesmo assim, vai dar errado. Eu poderia dizer que eu vou quebrar seu coração da forma que você quer que eu quebre seus ideias, mas, pelo meu histórico, eu tenho a capacidade de te transformar em um ogro e você partir meu coração em mil pedaços.

- Em mil pedaços? - Ele se aproxima do rosto dela. - Ainda há tantos assim?

- Acredite, há farelinhos meu por toda parte. Então, há mais deles guardados para quando você achar uma garota mais legal, mais bonita, mais inteligente ou quem sabe para quando seus amigos te chamarem para beber fora em um dia que deveria ser importante para mim, melhor, para quando você olhar nos meus olhos e simplesmente mentir que eu sou a única em sua vida, me convidar para sua vida e depois me colocar para fora sem nenhuma explicação e me fazer questionar todos os meus passos e palavras perto de você que te fizeram chegar a essa decisão. Eu não quero te transformar em um idiota, não quero que seja um, e se o problema não estava neles antes, então, meio que está em mim? Eu transformo eles em idiotas? Deve ter alguma explicação, porque as coisas são terrivelmente errado quando se trata de mim, certo?

-Deve ter mesmo uma explicação.

- isso - olha para baixo. - sabe qual a melhor parte disso? Quer dizer, depois do olho vermelho, bloquear nas redes sociais, ouvir música triste, salvar frases diretas no Pinterest, escrever em um blog que na minha cabeça é totalmente anônimo? É que eu continuo acreditando no amor romântico, claro que eu não acredito nele comigo, somos inimigos declarados, ele me odeia e eu nunca o suportei, digo, de um tempo para cá eu não o suporto, mas acredito que ele anda por aí batendo em portas distraídas e que tem dado certo. 

- por que você não consegue ver ele parado aqui? Agora! Bem na sua frente. Pedindo uma única chance?

- É. - pegou sua mão. - Eu definitivamente te transformaria em um idiota e essa nem seria a pior parte, a pior parte é que eu me odiaria por isso, mesmo que eu fosse a única sequela no final, não, quer saber do que mais? Você me odiaria. Você acordaria um dia e diria “mas tudo isso foi culpa dela, ok, eu errei, mas ela me fez errar” e então você me odiaria. Não, eu não poderia conviver com isso. E sabe por que isso aconteceria? Porque eu não sei amar direito, eu tenho uma ideia meio distorcida de livros de romances feitos para meninas de 13 anos, eu tenho o senso de julgamento de uma criança depois de uns dias sem os pais, eu provavelmente não sabia amar você. Melhor ainda, vamos começar com: eu não saberia dizer que amo você, porque às vezes que eu falei sobre amor, eu não sentia de verdade, eu respondia e então eu sentia: ah, ok! Ele acreditou? Bom, acho que é assim mesmo, a sensação é essa mesma, o amor eu encontro no caminho. Eu não sei amar, não sei falar sobre isso e eu também não sei escrever sobre isso.

- você está sendo…

- Egoísta? - interrompe. - Dramática? Intensa? Ansiosa? Sim, e isso seria nos meus melhores dias. Imagine os piores? Aqueles dias em que eu odeio o que eu vejo no espelho, em que eu choro desesperadamente porque tenho dores morando em partes que dores não deveriam morar, os dias em que eu escrevo chorando pelas mãos, em que eu falo para mim mesma que eu sou insuportável e ninguém deveria ter que conviver comigo e ah… ah, agora faz sentido o quarto garoto ter me deixado, faz sentido o terceiro ter me trocado, faz sentido o segundo nunca ter se contentado só comigo e faz sentido o primeiro nunca, nem uma mísera vez, ter olhado na minha cara.

- eu cansei de fazer você tentar olhar que eu estou aqui.

- essa é uma das piores partes, eu sei que você está aí, mas eu não consigo te amar do jeito que você quer, do jeito que você precisa e do jeito que você merece, então… minha resposta é “não” e vai continuar sendo não para os meninos depois de você, para você e para qualquer pessoa. Eu… não consigo mais lhe dar com o fato de escrever sobre pessoas que não conseguem me amar, tipo, verdadeiramente me amar sem que tudo acabe em um desastre depois, sem que eu acabe me sentindo um cocô no final, sem que essa pessoa acabe me odiando por ter feito ela se tornar horrível. Eu quero que você ache alguém legal e alguém que não vá fazer você acordar daqui uns meses perguntando o que você se tornou, porque você está ótimo como você está e a pessoa certa não vai fazer você acordar com essa sensação um dia. Essa pessoa não sou eu, você entende?

- Então, não vai sair comigo? - ele puxa a mão para longe da dela e olha para baixo impaciente.

- não.- limpa a garganta. - Eu não vou sair com você, mas eu não sei como dizer isso sem te magoar, então, vou dizer que: “é, vamos ver”

Ele solta uma risada pelo nariz e se levanta

- É aí que você perde, eu espero que saiba disso. - ele diz antes de se afastar e deixar ela sozinha.

- eu sei, eu sempre soube. - cochicho, porque eu não consigo amar ele como ele me ama e ele nunca mais falou comigo e isso dói.

Conveniência

    


 Eu te amava? Ou eu te respondi de volta? Eu te amava quando você me machucava? Eu te amava naquelas horas em que você me deixou sozinha com minhas incertezas? Você me amava, ou você achou que me amava? Eu te amava ou eu só respondia de volta? Porque agora penso sobre essas palavras e eu não quero te deixar triste, mas sinto que eu desperdicei com você, não, calma, eu não desperdicei com você, eu apenas disse por dizer, isso parece pior ou melhor na sua cabeça? A verdade é que eu ainda sou virgem no “eu te amo” daquele de verdade, daquele apaixonado, do tipo de “não me deixe”, daquele “finalmente você me encontrou, não saia mais daqui”, porque com você eu sempre soube que você ia sair, que ia me deixar, que ia me partir e ia me quebrar. Eu não quero te magoar, mas meu “eu te amo” foi resposta, foi pressão, foi impensável, saía quando estávamos nós dois, apenas nós dois, ele jamais saiu com plateia, jamais saiu de forma verdadeira. Talvez eu tenha escrito para você colocando amor no meio, mas o que eu sabia sobre amor? Que era dolorido, que era sofrido, que tinha que rasgar mesmo, então eu meio que te amava, porque você meio que me rasgava, você meio que me fazia chorar, você meio que me magoava, então era amor e pronto, era o amor que eu conhecia, o amor dos meus pais, o amor dos meus tios, o amor dos meus primos… meio rasgado, meio desconectado, meio perdido e meio embaçado. Então eu meio que te amei, meio que não sei, mas não quero te magoar, você me amava e eu te respondia, era o que você queria ouvir e era o que fazia eu me sentir orgulhosa de dizer. 

“Olha só, mãe, eu não sou um robô, eu amo ele, mas vou dizer só entre nós dois, quando ninguém tiver ouvindo, ninguém tiver olhando, por favor, não fale sobre isso com ninguém, eu meio que amo ele, ele meio que sabe, eu meio que respondo e isso meio que funciona… como o amor deveria ser, como é o amor que eu conheço”

Eu te amava ou eu te respondia?

Se eu te amava, por que foi tão fácil apagar você? Por que não tenho mais fotos suas? Por que não tenho mais mensagens favoritadas? Por que eu não tenho mais seu número ou notícias suas? Se eu te amava, por que te evaporei completamente sem dor? Se eu te amava, por que foi tão libertador te deixar ir? Se eu te amava, por que acordei em pânico outro dia quando sonhei que você voltava para mim? Eu não quero isso de novo, não quero que você me queira, não quero te querer, não quero ser sua e você nunca foi meu de verdade para eu te ter, será que eu te amava ou te respondia? Se eu te respondia, você sentia? Você se rasgava? Você queria dizer alguma coisa? Você queria melhorar para eu não te responder e sim te sentir? Eu te amava? Eu te respondia? Você sabia? Se você sabia, por que nunca me disse para eu guardar essas palavras para um dia de verdade, mesmo que não fosse com você? Você me amava? Você me respondia quando eu te respondia? A gente sabia o que estava falando? Porque, no fim, o maior alívio foi um deixar o outro ir e nunca mais olhar para trás, apenas ir.

Eu te amava ou te respondia? Você sabia? Por favor, diga que sabia e que não se importou muito, que não me amava também como achava, que a gente não sabia o que estava falando e tudo bem, que eu posso dizer que nunca falei sobre isso para ninguém e você pode dizer para a próxima garota que nunca amou ninguém assim, vamos esquecer isso, vamos fingir que você não dizia de costume e eu não te respondia, no fim, ninguém sabia o que estava falando.


29 de março

 


Hoje seu segundo neto nasceu, aquele que você não sabe o nome, não conhece o rosto, não sabe do que vai gostar, do que vai ter medo, aquele neto que você não vai conhecer. Hoje, eu estou sozinha em uma cidade cercada de prédios, encharcada de tristeza e escrevendo sobre pneumonia para a faculdade, ou pelo menos eu deveria estar, mas na verdade, estou chorando e escrevendo sobre a dor que toda vez vem me visitar e me lembra como foi perder você.

E o ciclo começa de novo

o telefone toca

eu atendo

"É da família de Seu Raimundo?"

e depois daí...aí a gente já sabe o que acontece, porque não aconteceu só dia 30 de maio, mas de uma forma torturante, acontece de vez em quando e eu ainda perco o movimento das pernas como eu perdi naquele dia.

O que eu vou ser sem ele?

Como eu vou ser sem ele?

Hoje, seu neto nasceu e eu me sinto dividida entre ser egoísta e altruísta, porque quero que você esteja no hospital com meu irmão, esteja conhecendo aquele pequeno ser que chegou ao mundo hoje e nunca te conhecerá e nunca irá rir de piadas suas. Mas, também quero que você esteja aqui, na cidade cheia de prédios, encharcada de tristeza e silêncio, que você esteja comigo, e também quero que esteja onde você precisa estar, junto daquele que nunca foi amado de verdade por quem deveria ser amado, daquele que está crescendo meio na dor, meio na alegria, meio... não, meio não, completamente envolto de saudade de você e do que você foi, acho que ele precisa de você mais do que eu preciso, embora eu sempre precise de você de uma forma absurda.

"É da família de seu Raimundo?"

eu peço, eu imploro que pare e pare e pare, mas sua falta é uma constante, um misto de raiva, de tristeza, de inconformação, um misto que eu não consigo lhe dar depois de quase dois anos.

"Mas mãe, essa é minha última noite dormindo perto do meu pai, me deixe ir"

E então eu não vou, e então durmo em casa mesmo, cansada, exausta e totalmente alheia que eu não vou mais te ver, ainda totalmente alheia que eu não vou mais te ver.

e no outro dia

"Eu matei meu pai" -eu digo a terapeuta

como se eu tivesse o poder para tudo isso e um pouco mais e ainda tenho dificuldades em me livrar desse pensamento horrendo e tão pesado que me cerca toda vez que ele não está aqui.

Você sabe que eu tentei, eu estive lá na última semana, você sabe, é irónico eu ter que escrever sobre pneumonia agora e não conseguir um parágrafo sem chorar, porque eu pegaria de novo e de novo e outras mil vezes por você, por umas horas perto de você em um hospital totalmente contaminado e minhas imunidades totalmente despreparadas para as noite mais longas de nossa vida. 

Ouço tosses no quarto, não são suas, não, vindo de você eu só ouço os gritos, as alucinações e está tudo bem.

"É da família de seu Raimundo?"

por favor, não fale o resto, eu já sei o que vem a seguir

mas ela fala

e eu revivo esse dia quase todos os dias e e ele nunca parece menos doloroso.

Seu segundo neto nasceu hoje, sua filha está sozinha em uma cidade grande e está totalmente apavorada, seu filho mais velho precisa de uma luz, seu primeiro neto precisa de um abraço e da forma mais resumida possível: Só vocÊ poderia dar o que estamos precisando desde que você partiu.

Eu sinto sua falta dia 29 de março, dia 30 de maio, dia 01 de agosto, dia 25 de dezembro, dia 31... sinto sua falta todos os dias e recontando e recontando.

Casa


     Dentes vão cair, eu nunca estou aqui.

Pessoas vão se apaixonar, algumas pela primeira vez, mas eu não vou estar lá.

E todo mundo continua dizendo: vai valer a pena, o sacrifício é só agora, e eu não consigo enxergar como essa troca é justa, e eu peço perdão a todos os deuses que habitam os universos, porque eu quis tanto tanto tanto e agora me sinto amaldiçoada, eu nunca estou aqui, eu nunca vou ver minha irmã crescer por inteiro, sempre me assusto com o tamanho do meu sobrinho, sempre percebo uma ruga a mais aqui e ali e eu não estive aqui. 

Eu vivo pela metade, eu sei pela metade, nunca é de tudo, é só recortes, é só as falhas, porque eu nunca estou aqui e por um bom tempo não estarei aqui e fico pensando constantemente quando foi que a troca foi justa, quando foi que o ultimato pareceu bom para mim, quando foi que deixar minha família valeu tanto assim, porque eu nunca, nunca estou aqui.

Eu sinto falta das minhas cachorrinhas, eu queria acordar com elas todos os dias, elas nem vão viver tanto tempo quanto eu e o tempo que elas estão aqui eu só vou ver pela metade, recortes, falhar porque eu nunca estou aqui. Eu odeio quando saio de volta para minha nova casa e elas me olham e eu queria poder dizer tanto a elas, mas tudo o que isso tentar expressar é que amanhã já não vou estar mais aqui, porque eu nunca estou aqui.

Aniversários passaram, eu vi as fotos, ficaram mais altos, mudaram o cabelo, compraram outras roupas e eu nunca estou aqui. Às vezes, apareço, abraço um por um e então tenho que voltar e eles não entendem a dor que eu sinto por nunca estar aqui. 

E eu me pergunto todos os dias que peso horrível de nunca estar ali, onde eu nasci, onde eu cresci e onde meu coração acorda todos os dias, eu estou cansada dos dias que não estou ali e parece que no jogo de escolhas eu escolhi o lado errado e sempre estive do lado errado todas as vezes, que eu sou ingrata, nunca está bom, mas qual o peso que eu tenho que aguentar por nunca estudar lá? 

Mais um texto sobre ele

 


Eu vou deixar a porta aberta caso você queira voltar, caso você decida me amar, amar do jeito que eu amo você.

Vou deixar a porta aberta, caso você perceba que não foi feito para ela, foi feito para mim, vou deixar a porta nem que seja pouquinho, um pouquinho aberta, porque eu espero todos os dias você voltar, vou deixar ela um pouco aberta, caso você decida retornar ao que a gente começou a construir, caso você sinta falta de dar risadas, de me dar esporro sobre tudo o que faço errado, caso você sinta falta da minha presença na sua vida, eu vou deixar a porta aberta caso você queira me dar um pouquinho de algum sentimento, porque eu sinto sua falta todos os dias, vou deixar um pouco aberta caso você precise de mim, caso queira que alguém te escute, alguém que te abrace sem estar lá para te abraçar, vou deixar aberta porque pode ser que você decida que vai me tratar certo agora, que a gente nasceu destinado para ficar juntos nessa vida, nessa e em outras que venham, porque eu me acostumei a amar você, então vou deixar a porta um pouco aberta, porque você pode voltar hoje a tarde ou amanhã ou próximo ano e eu quero estar te esperando, porque você vai perceber que me ama, como deveria ter percebido agora, vou deixar a porta aberta, porque no dia que você entrar, toda minha tristeza vai me abandonar, vai dizer adeus e para nunca mais, não, ela não vai mais voltar, porque você era tudo o que eu precisava, então eu vou deixar a porta aberta para você perceber que precisa de mim também, então vamos se precisar juntos e vamos se ter.

Vou deixar a porta aberta para quando você me convidar de novo para a sua vida, e então eu vou entrar por a porta que você vai abrir, vou deixar as coisas melhores do que estavam, vou me esforçar para te merecer, vou fazer você não se arrepender de abrir para mim, minha porta sempre esteve aberta para você.

Enquanto isso, eu odeio a forma como você a ama, odeio o quão sortuda ela é, porque você abriu a porta para ela, e nem foi a primeira vez que ela entrou, enquanto isso eu me pergunto o que eu poderia fazer diferente para que eu tivesse sido a escolhida, para que eu fosse a garota que você ama, que eu fosse a garota que você leva para sair e acaricia quando acha que não tem ninguém olhando, porque você a ama do jeito que eu te amo e isso dói meu corpo todo. Enquanto isso eu vou deixando a porta aberta, escancarada, me sento lá dentro e olho ansiosa, eu espero você entrar, espero você me olhar, espero você me considerar, espero você me escolher, mesmo sabendo lá no fundo que isso pode nunca acontecer, eu quero que você me ame, quero que você me escolha, quero que você se abra, mas você não faz, porque você não nasceu para corresponder minhas expectativas e eu não nasci para saber misteriosamente o que você sempre quis para te dar antes mesmo de você pensar, eu odeio não ter sido mais fácil para você, odeio não ter te dado mais atenção, odeio não ter me declarado enquanto tive a chance, odeio não ter te amado bem antes, bem antes de te perder e bem antes de você fechar suas portas.

Você vai abrir algum dia? Você vai me amar algum dia? 

I saw you with her

 


Hoje eu vi um estranho, um estranho qualquer, eu sabia o sabor favorito de pizza dele, eu sabia que ele odiava trovão, eu sabia que ele tinha exatos 1 metro e 75 de altura, que ele já tinha tido uns relacionamentos ruins, que seu irmão era mais parecido comigo do que eu jamais poderia encontrar. Eu conhecia esse estranho, eu sabia das músicas favoritas dele, porque ele fez uma pasta delas para me apresentar, eu sabia do que ele gostava de beber, eu sabia que ele usava óculos às vezes, eu costumava conhecê-lo , eu costumava falar com ele, mas era tudo o que ele era agora: um estranho.

Hoje eu vi um estranho, um estranho que fez as borboletas do meu estômago morrerem, porque ele estava com ela, ele abraçava ela e ele amava ela. Hoje eu vi um estranho e reconheci a roupa que ele usava, porque ele me mostrou quando comprou ela, e eu lembro de ter achado maravilhoso, parecia que todas as costureiras do mundo deveriam se sentir no mínimo honradas porque uma peça vestia seu corpo.Hoje eu vi um estranho e isso era tudo o que ele deveria ser para mim, um estranho, mas eu gostava do estranho, de um jeito que eu jamais gostei de alguém, e isso era tudo o que ele era meu: estranho, e assim ele continuará até, além de estranho, se tornar uma memória, uma memória daquelas que a gente esquece que já teve, que pensa ser surto de meia idade, porque era tudo o que ele era, um estranho e assim ele será até não se tornar mais nada.

E o que acontecerá então quando nós nos tornamos nada? O que o amor vira quando chega ao fim? O que os estranhos fazem quando estranhos são tudo o que eles são? Quem irá nos salvar? Ou melhor, quem irá salvar eu de você, do jeito que você já se salvou de mim?